Fotos: Vinicius Becker (Diário)
Nos dias de chuva, fica difícil caminhar em meio a tanto barro. Com a mudança para bairro, os moradores esperam melhorias nas ruas
O Passo das Tropas está próximo de se tornar um bairro de Santa Maria. O projeto, de autoria do vereador Lorenzo Pichinin (PSDB), foi aprovado por unanimidade na noite de terça-feira (8), durante votação na Câmara de Vereadores. A mudança coloca fim a um impasse que se arrastava desde 2015, quando a região foi incluída como área urbana, mas ainda sem o reconhecimento formal. A localidade, que pertence ao distrito de Pains, pode ser o 42° bairro do município. A mudança depende da sanção do prefeito Rodrigo Decimo (PSDB).
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Mas, apesar do avanço, a nova nomenclatura ainda não é motivo de grandes comemorações entre os moradores. Nas ruas de chão batido, cobertas de buracos e com esgoto a céu aberto, o clima é de descrença. Quem vive lá relata anos de abandono e invisibilidade por parte do Poder Público e diz que já não acredita mais nas promessas feitas por diferentes partidos, que se repetem há décadas. Esse, inclusive, foi o pontapé inicial para que o vereador Pichinin criasse o projeto de lei:
– Muitas famílias já pagam IPTU e há anos que aquela região não tem saneamento básico, não tem rua asfaltada. Em termos de investimento só tem uma Estratégia da Saúde da Família e mais nada. E essa é uma realidade: está abandonado. Eu conversei com eles (moradores) para protocolar esse projeto. Reunimos assinaturas deles.
Para o autor do projeto, a aprovação representa o início de uma luta por direitos e melhorias para a população. As ruas, segundo ele, não vão mudar de nome, mas precisam estar registradas oficialmente. Para isso, outro projeto deverá ser aprovado.
Ele destaca, ainda, que deve realizar em breve uma reunião com a Corsan para tratar do saneamento básico na região.
"Tomara que melhore, né. Senão, vou fazer o quê?"

O agora bairro, que fica na Zona Sul, é formado pelas seguintes localidades: Núcleo Urbano Tavares, Núcleo Urbano Emiliano Mortari, Loteamento Rigui, Vila Ipiranga, Vila Abrantes, Vila Marques e Núcleo Urbano Sítio dos Paines. Atualmente, cerca de 650 famílias vivem lá. A falta de saneamento básico, a pavimentação das ruas e a dificuldade de acesso a serviços mínimos estão entre as principais queixas.
Além disso, há quem diga que pagar Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) sem ter retorno em serviços virou regra. Na Rua José Brasil, onde o aposentado Luciano Rodrigues Tavares, 56 anos, vive há mais de 37, ele mostra o esgoto que corre a céu aberto. Sempre que chove, a água invade não só a casa dele, mas de todos os demais moradores da rua também.
Ele conta que precisou se unir aos vizinhos e, com recursos próprios, compraram materiais para improvisar um sistema de escoamento da água da chuva e evitar que ela invadisse as casas.

A oficialização como bairro pode, ainda, resolver um problema antigo: nenhuma rua possui Código de Endereçamento Postal (CEP), o que dificulta algo que era para ser simples, como o recebimento de correspondências, segundo o aposentado. Antes, todas as encomendas eram deixadas em uma única caixa, logo na entrada do bairro. Mas, com o tempo, isso deixou de funcionar e, hoje, os moradores precisam buscar nos Correios ou pedir para entregar em outro endereço.
— Não vem nada dos Correios para cá. Esta semana, tenho que ir lá na Caixa para pegar um cartão que estou esperando até hoje, faz 20 dias que ficou de vir. Agora vou lá, e ainda gasto a passagem. Não vem mais nada para cá — conta.
O aposentado prefere aguardar, mesmo sem muitas esperanças.
— Mas tomara que melhore daqui para frente, senão, vou fazer o quê?

Para Alveci Goulart, 56 anos, os transtornos são os mesmos. Diferentemente de Tavares, a rua onde mora há nove anos nem sequer tem nome. Para ela, além da falta de infraestrutura, o maior problema está no descarte irregular de lixo, que acaba sendo levado pela água da chuva até a frente da casa onde vive, próxima à sanga. Segundo ela, como mora no fim da rua, todo o lixo que é largado mais acima desce e se acumula na área ao redor.
A situação se agrava porque não há coleta frequente de lixo, o que faz com que muitos moradores descartem os resíduos de forma inadequada.
— Pode ser que agora lembrem da gente, principalmente com relação ao esgoto. O resto, a gente dá um jeito, mas o esgoto não tem como. As pessoas largam tudo na rua, e acaba indo para o nosso pátio, porque nós moramos no final da rua, e vem tudo para nós. É ruim para nós, que temos criança. Eu tenho uma bebezinha de dois anos, e no mês passado ela teve que ficar internada oito dias. É complicado — desabafa.

Já o aposentado Carlos da Silva Abrantes, 73 anos, nasceu e cresceu no Passo das Tropas. Há 25 anos, mantém um mercado na Rua Antão Abrantes, que recebeu esse nome em homenagem ao próprio pai. Ao Diário, ele relembra dos tempos em que corria descalço pelas terras da região.
— Quando eu me empreguei, com 19 anos, o ônibus só vinha lá no semáforo, naquele sobrado. A gente tinha que descer correndo para ir pegar o ônibus, e era só três vezes no dia – conta.
Apesar de reconhecer que a região evoluiu com o passar dos anos, ele espera que o status oficial como bairro traga melhorias para as próximas gerações.
— Hoje é diferente, já melhorou bastante. Só que a gente não espera muito para nós, mas para os filhos e os netos, sim. Eu tenho saúde e uma chacrinha lá em Santa Flora, gosto de plantar. Mas a esperança, agora, é por eles. Espero que melhore — completou.
Já para Raquel da Rosa Abrantes Pietro, 46 anos, filha de Abrantes, o sentimento é de abandono e descaso. Ao contrário do pai, ela não tem esperanças de um futuro muito diferente da realidade que vive. O esgoto a céu aberto e a ausência de retorno pelos impostos pagos são alguns dos transtornos relatados.
— Hoje de manhã, reclamei com meu filho. Cheguei em casa e aquele cheiro horrível de esgoto, porque tem um aberto bem pertinho da casa. Devia ser fechado. E a gente paga os impostos em dia e não tem retorno nenhum. Eu não entendo como é que a gente paga IPTU num lugar que nem é reconhecido. Uma vez, eu atrasei e, quando fui ver, estava no SPC pela prefeitura. Tive que ir lá negociar. É complicado… acho que estamos abandonados. Vamos ver se agora alguém olha por nós — desabafa.
A proposta
O projeto que busca garantir o acesso da população a políticas públicas básicas, como o saneamento, a pavimentação de ruas e a regularização fundiária, é de autoria de Pichinin e foi protocolado em março deste ano.
Entre as melhorias previstas no projeto estão:
- Fortalecimento da associação de moradores;
- Avaliação mais precisa dos problemas da região;
- Apoio ao trabalho das secretarias e órgãos públicos;
- Fiscalização das obras públicas;
- Entrega de correspondências e adesão ao CEP;
- Monitoramento por órgãos de segurança;
- Definição oficial da numeração das ruas.